Agricultura mais ecológica depende de hábitos do consumidor

Professor americano John Reganold pesquisa em campo de maçãs na área rural de Washington (EUA)

Lucro, produtividade e equilíbrio ecológico. Como equacionar essas variáveis nos sistemas agrícolas contemporâneos? 

O professor norte-americano John Reganold, da Universidade do Estado de Washington, ensaia algumas respostas.

"Não adianta culparmos apenas fazendeiros ou empresas", afirmou à Folha. Para ele, o protagonismo do consumidor deve ser a força motriz das transformações culturais e tecnológicas pelas quais passa a produção global de alimentos.

Reganold viajou por quatro continentes, estudou mais de mil propriedades rurais e já publicou mais de 200 artigos científicos. Em quatro décadas de carreira, angariou US$ 19 milhões (cerca de R$ 62 milhões) somando bolsas e projetos de pesquisa em agricultura ecológica.

Folha - Qual é a sua definição de agricultura sustentável?
John Reganold - Existem diferentes definições. Uma que considero sólida é a da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. A propriedade deve atender a quatro quesitos: ter colheitas de alta qualidade nutricional; ser viável e lucrativa economicamente; ser ambientalmente segura, isto é, não erodir o solo, não poluir nem prejudicar a biodiversidade, e promover o bem-estar social.
São pagos salários dignos aos trabalhadores? Devemos estender o conceito de bem-estar social além da propriedade: ela é benéfica para a comunidade?

Que países têm se destacado na busca de uma agricultura alinhada às demandas socioambientais de nosso tempo?
A Europa ocidental traz experiências bem-sucedidas, principalmente Alemanha, Áustria e França. São nações com maior proporção de fazendas com sistemas integrados e propriedades orgânicas.
Muitos desses agricultores são incentivados por subsídios governamentais. Nos Estados Unidos, também encontramos bons exemplos.

O senhor já esteve no Brasil?
De férias, mas nunca estudei a fundo as questões agrárias do país. Conheço algo sobre o cerrado e a alta produtividade de milho e soja na região. Sei que há problemas, mas não os conheço a fundo.

Já ouviu falar de sistemas integrados que, ao mesmo tempo, promovem o cultivo de lavoura, pecuária e floresta?
Na Austrália, na Nova Zelândia e em partes da Europa, fala-se muito em sistemas integrados e mistos. Sistemas integrados mesclam agricultura convencional e orgânica, e os mistos são interações entre plantas e animais.

Seus trabalhos o levaram a pesquisar mais de mil fazendas em quatro continentes. Que lições podemos tirar?
Sempre procurei comparar diferentes sistemas agropecuários –convencionais, orgânicos, biodinâmicos, integrados e plantio direto.
A grande força do método convencional é que ele é capaz de atingir altos patamares de produção. Sua maior falha são os impactos ambientais.
Sistemas orgânicos são, em média, 15% a 20% menos produtivos do que os convencionais. Ainda assim, são mais rentáveis, porque conseguem preços mais vantajosos no mercado. Também são vantajosos em quesitos como qualidade do solo, demanda energética, uso de pesticidas e geração de emprego.

O senhor acredita que a produção de alimentos será cada vez mais regionalizada?
Na maioria das regiões, é possível conseguir frutas e vegetais produzidos localmente, mas regiões frias podem ter dificuldades.
O maior entrave é a compra de grãos, que nem sempre têm produção local. Sem importação, muitos lugares teriam dificuldade em atender a demanda, principalmente porque essas fazendas tendem a ocupar grandes áreas. Grãos compõem 70% de nossas dietas, mas a maioria da produção vai para a alimentação animal, o que é ineficiente.

Alimentação animal é o destino da maior parte da produção brasileira de grãos. Como o senhor analisa esse cenário?
Tudo bem destinar uma parte das terras à produção de grãos para alimentação animal, mas a maior porção das terras agricultáveis deveria ser reservada ao plantio de grãos que nós, humanos, comemos.
É fácil culpar os fazendeiros ou corporações, mas grande parte da responsabilidade é dos consumidores. Em países menos desenvolvidos, consome-se cada vez mais carne. Isso é um problema. Tem sido uma demanda de consumo.

Em artigo da "Nature Communications", calcula-se que seria viável converter toda a cadeia agroalimentar para o sistema orgânico, desde que acabasse o desperdício de alimento e fosse reduzido o consumo de carne. O que acha?
Soube da publicação e conheço o autor do estudo. Outro trabalho analisou diferentes tipos de dieta e constatou que, se todos adotássemos hábitos alimentares veganos, poderíamos chegar a uma população de 9,6 bilhões de pessoas em 2050 sem precisar abrir novas áreas de plantio -mas as pessoas não se tornarão todas veganas.

Qual a sua opinião sobre os transgênicos?
Cerca de 90% do milho e da soja plantados nos Estados Unidos são geneticamente modificados. Grande parte de nossa canola também é transgênica. A maioria desses produtos vai para alimentação animal. Produtos transgênicos deveriam ser rotulados como tal simplesmente porque existem consumidores que não querem consumi-los. Nesse sentido, os produtos geneticamente modificados acabaram ajudando os movimentos de agricultura orgânica -pessoas passaram a comprar orgânicos apenas porque sabiam que eles não eram transgênicos. Nos EUA, muitos produtos já são rotulados como livres de transgênicos. É um mercado em rápida expansão.


Transgênicos são ruins do ponto de vista nutricional? 
Nunca encontrei nenhuma evidência disso, mas isso não me preocupa tanto. O que me preocupa, do ponto de vista ambiental, é que fazendeiros desenvolvam culturas transgênicas em sistemas [de monocultura] como milho, milho e milho ano após ano. Ou apenas soja. Ou, em outros casos, soja e milho. Esse não é um bom sistema de rotação.

A rotação entre milho e soja é basicamente a regra em muitas regiões do Brasil.
Certo. Mas não é uma rotação boa para o solo. Os agricultores poderiam cultivar um ano de milho, ainda que transgênico, e um ano de soja para, em seguida, cultivar dois anos de alfafa, por exemplo, que é excelente para o desenvolvimento do solo. Com esse sistema de rotação em quatro anos, poderíamos reduzir as aplicações de pesticidas e fertilizantes.
Mas, se é um sistema ótimo, por que os produtores rurais não o praticam? Porque não lucrariam tanto, já que estão vinculados a seguros de safra para soja e milho, ao menos aqui nos EUA. É uma dinâmica que alimenta esse sistema corporativo.
Além disso, os agricultores querem sistemas mais simples, e os métodos de rotação de quatro anos são mais complexos. Exigem mais raciocínio e equipamentos do que uma rotação de um ou dois anos.

O conceito de sustentabilidade pode facilmente acabar funcionando como propaganda enganosa. Como evitar isso?
Se um sistema é certificado e você confia nessa certificação, isso deve ajudar. O consumidor pode pesquisar sobre o processo de certificação, saber como funciona e assim apoiar a organização certificadora e os agricultores que dela fazem parte. A ideia é apoiar iniciativas que, segundo o julgamento de cada um, não são propaganda enganosa.

RAIO-X
John Reganold, 68

Trajetória
Professor da Universidade do Estado de Washington desde 1983, é pioneiro na pesquisa da agricultura sustentável

Formação
Mestre e doutor em ciências do solo pela Universidade da Califórnia (Folha de S.Paulo, 21/12/17) http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/12/1944545-agricultura-mais-ecologica-depende-de-habitos-do-consumidor.shtml

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